Solenidade da Santíssima Trindade

Solenidade da Santíssima Trindade

1. Meus irmãos,
Todos os anos após o encerramento do Tempo Pascal, com a ‘Solenidade de Pentecostes’ [celebrada semana passada], temos três Solenidades que dão um certo ‘acabamento’ ao Tempo Pascal. No Domingo seguinte a Pentecostes, temos a ‘Solenidade da Santíssima Trindade’. Na Quinta feira seguinte, recordando a Quinta-feira santa, na qual Jesus Cristo instituiu a Eucaristia, temos a ‘Solenidade do Corpo e Sangue do Senhor’, também chamada ‘Corpus Christi’. Passados oito dias, temos a ‘Solenidade do Sagrado Coração de Jesus’. Estas três Solenidades desenvolvem, para além do Tempo Pascal, a pouco concluído, a mensagem mesma da Páscoa de Jesus Cristo: o Mistério de Deus Uno e Trino, sempre solidário com a humanidade (Santíssima Trindade), o Memorial de Jesus Cristo, deixado à Sua Igreja até a Sua volta (Corpus Christi), e a contemplação do Seu Coração que, traspassado, do Seu lado aberto, é a fonte da Sua Igreja. 

2. Hoje é a Solenidade da Santíssima Trindade. O mistério da Santíssima Trindade é o mistério da vida íntima de Deus. O mistério da Santíssima Trindade é o mistério de Deus Uno e Trino. Jesus Cristo, ao revelar-Se, revela a vida íntima de Deus, e nos convida a participar de Sua vida. Jesus é o Filho de Deus que Se fez homem para a nossa salvação. Jesus traçou um caminho na nossa história, e neste caminho manifestou todo o amor de Deus, e assim, manifestou a vida íntima de Deus. Jesus Cristo revela que Deus é Uno, e que é uma Trindade de Pessoas – Pai e Filho e Espírito Santo.

3. São, então, três deuses? Não, mas um Deus em três Pessoas, que eternamente coexistem e eternamente Se amam. E Jesus conforme caminhou conosco, conforme traçou um caminho na nossa história manifestou, assim, a intimidade de Deus, a intimidade destas três Pessoas divinas, que são a fonte da vida do universo, e que com amor eterno amam as Suas criaturas.

4. O Filho de Deus Se fez homem para ser o nosso Salvador, de nós, que fomos criados a imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26-27). O Filho de Deus, ao Se fazer homem e ao conviver conosco, manifestou-Se um homem exemplar, como se fosse um irmão mais velho, cheio de juízo e de maturidade. E’ como um irmão que caminha conosco, de mãos dadas, constantemente nos dando exemplo de como viver e amar. Ele veio nos ensinar a viver, nos ensinar a amar de verdade, nos mostrar que somos a imagem e a semelhança de Deus.

5. Ao Se fazer nosso irmão, o Filho de Deus veio nos mostrar o rosto dos irmãos. Amados por Deus, Jesus nos envia a testemunhar este amor aos nossos semelhantes, aos nossos irmãos. E este testemunho de amor, e a vida de amor para qual Jesus nos chama, tem a sua fonte no próprio Deus, tem a sua fonte na vida destas três Pessoas que eternamente Se amam, e da qual o próprio Jesus Cristo nos faz participar.

6. E para tocar os nossos corações, Jesus escolheu a palavra “Pai” para nos mostrar o princípio da Santíssima Trindade. É o pai que, na família, que nos tira do colo da mãe, e assim das manhas, e nos coloca na vida, e nos mostra os irmãos, os irmãos maiores, os irmãos menores, a quem se deve amar, respeitar e partilhar. Assim, para tocar os nossos corações, para que amemos com sinceridade os nossos semelhantes, os nossos irmãos, Jesus nos mostra o Pai, o Pai dos Céus, o Pai nosso, que a todos ama, como seus filhos, no qual todos somos irmãos. Se temos o mesmo Pai, através de Jesus, nos tornamos os Seus filhos (cf. Jo 1,12), para que vivamos uma vida de irmão, uma vida de amor, de respeito, de partilha. Na oração que Jesus nos ensinou, da mesma forma que rezamos ‘Pai nosso’ pedimos depois o ‘pão Nosso’. Jesus não nos ensinou a pedir o ‘pão meu’, mas o ‘pão nosso’ para que, desde a nossa oração, tenhamos os nossos irmãos em nossas intenções, e assim não nos deixemos de nos preocupar com o bem concreto do próximo. 

7. De tudo Jesus nos deu o exemplo. Em todo o seu caminho vemos Jesus amando, amando aqueles de quem Ele se fez próximo. Deu-nos o exemplo de amor ao próximo. Mostrou-nos que testemunhando o amor do Pai do Céu, do Pai Nosso, se partilha o pão, para que o pão de nossas mesas seja o ‘pão nosso de cada dia’, que esteja sempre na mesa dos irmãos, na mesa dos filhos de Deus. Trata-se de um tremendo desafio, pois tal como nos tempos de Jesus, tantos passam dificuldades, tantos passam fome, tantos vivem na miséria, apesar de serem filhos de Deus, apesar de serem nossos irmãos. Trata-se de um desafio fazer com que o ‘pão nosso de cada dia’ esteja em todas as mesas, que ninguém seja excluído, ninguém fique para trás, mas para que vivamos uma vida de irmãos.

8. Jesus deu-nos o exemplo. Sendo Deus se fez irmão, tendo família e profissão, viveu como andarilho, para nos mostrar que da pobreza se pode fazer a partilha, que onde a vida está escondida ou sendo negada se pode fazer com que ela torne a brilhar. E assim, Jesus, ao mostrar o rosto do Pai, fez com os que O seguem vivam uma vida de irmãos, com partilha, sem egoísmo, e sem pecado: uma vida de irmãos, que tem em Deus o seu Pai, e em Jesus, o irmão maior, que nos exercita nesta escola de amor.

9. Toda a vida de Jesus entre nós foi uma vida de irmãos, mostrando-nos o ‘Pai Nosso’ e partilhando o ‘pão nosso’. É esta a escola de amor de Jesus, na qual Ele nos exercita, nos dá o exemplo, mas também nos dá o Seu Espírito, para que todos nós, pelo Seu exemplo e ensinamento, possamos amar com coragem, possamos amar como Ele nos ama.

10. Ao encerar a Sua missão, Jesus nos prometeu o Seu Espírito, o Espírito Santo, para que com a força de Deus possamos amar com coragem, com generosidade e sinceridade. Ao voltar aos Céus, Pai e Filho nos enviam o Espírito Santo, a terceira Pessoa da Santíssima Trindade, para que a Salvação que Jesus operou se realize em nossas vidas. Jesus apresentou o Espírito Santo como o outro Consolador (cf. Jo 14,16). É Jesus o Consolador da humanidade que, enviado pelo Pai, veio nos salvar. Ao voltar para o Pai, o Espírito Santo é enviado para nos consolar também, para continuamente, nos impulsionar a sermos cristãos a toda prova, a amar com Jesus amou. Para que sigamos o caminho de Jesus, caminho no qual contemplamos o Pai Nosso, caminho no qual partilhamos o pão nosso, no qual todos os homens são irmãos.

11. Contemplando a Santíssima Trindade, vemos n’Ela a imagem e semelhança que temos com Deus. A Santíssima Trindade é eterna comunhão de amor, comunhão de três Pessoas, que nos convida a viver também em comunhão nesta vida, e na vida eterna.

12. As leituras da missa nos ajudam a meditar sobre o mistério da Trindade de Deus. A 1ª leitura [como de costume] é do Antigo Testamento. No Antigo Testamento se dá a manifestação de Deus Uno ao Povo de Israel, em meio aos deuses dos povos vizinhos. Por isso Moisés disse: “O Senhor é Deus lá em cima e cá embaixo na terra, e que não há outro além dele” (v. 39). No entanto, o Antigo Testamento não registra um testemunho de fé na Trindade, pois Ela só será revelada por Jesus Cristo, e tal revelação só será fixada no Novo Testamento. Na 1ª leitura ouvimos Moisés testemunhar a fé no Deus Uno, que criou o universo e a humanidade (v. 32), que Se revelou ao Povo de Israel (vv. 33-34), e que o libertou da escravidão no Egito (v. 34). Em meio aos ‘deuses’ dos povos vizinhos, o Deus Uno se revela ao Povo de Israel, e o elege como seu ‘sacramento’ às demais nações (cf. Gn 12,3).

13. Sabemos que Deus selou a “Aliança” com o Povo de Israel, o Povo eleito. Deus tomou a iniciativa, e compete a Seu Povo corresponder. Por isso, diante da confissão de fé em Deus que o elegeu e o libertou, o Povo deve corresponder. Por isso, disse Moisés: “Guarda suas leis e seus mandamentos (...) para que sejas feliz, tu e teus filhos depois de ti (...)” (v. 40). Deus elegeu o Povo de Israel, e a ele manifestou que é o Deus Uno e misericordioso, e o Seu Povo deve corresponder, vivendo segundo a Sua vontade, vivendo segundo os Seus mandamentos.

14. No Evangelho estão registradas as últimas orientações que Jesus deu aos Seus discípulos. Em primeiro lugar, o chamado “mandato missionário”: “ide e fazei discípulos meus todos os povos” (v. 19). Os discípulos fizeram a experiência do Emanuel, o Deus-Conosco (cf. Is 7,14) e, daqui por diante, devem testemunhá-la até os confins da terra (cf. At 1,8). Jesus envia os Seus discípulos a todas as nações da terra. Em seguida, Jesus manifesta que esta adesão precisa ser sacramentada. É o Batismo, que nos torna filhos de Deus, que nos perdoa os pecados, que nos transforma em criaturas novas (cf. 2Cor 5,17; Gl 6,15), e que nos insere no Corpo de Cristo, que é a Igreja. Para ser filho de Deus é necessário ser batizado. Disse Jesus: “... batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (v. 19b). A palavra batismo significa [etimologicamente] “mergulhar”. Para ser filho de Deus é necessário ser batizado, é necessário ser “mergulhado” no mistério de Deus Uno e Trino, é necessário ser batizado “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Assim, aderir a Jesus Cristo, tornar-se cristão, é inserir-se no mistério de Deus, que é Uno e Trino, que Se revela, e que nos oferece a salvação. 

15. Por fim, ouvimos Jesus dizer: “... e ensinando a observar tudo o que vos ordenei” (v. 20). A última orientação dada por Jesus se refere à Catequese. Jesus envia Seus discípulos a todas as nações, Jesus pede que recebam o Batismo aqueles que acolheram a Sua salvação e, por fim, que a Sua mensagem seja constantemente anunciada e acolhida, “ensinando a observar tudo o que vos ordenei”. De fato, não basta que a Igreja se faça presente em toda a terra, não basta o Batismo e os demais sacramentos. É necessário anunciar contantemente a mensagem de Cristo, para que ela seja conhecida, para que ela seja vivida, para que ela seja testemunhada.

16. A 2ª leitura nos recorda que somos filhos de Deus. É filho de Deus quem adere a Jesus Cristo. N’Ele, o Filho eterno do Pai, somos filhos de Deus. Disse S. Paulo: “Todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus”. Ouvimos que aqueles que aderem a Cristo devem ser batizados em nome da Trindade de Deus, pois o Batismo nos transforma em novas criaturas, ou seja, filhos adotivos do Pai eterno (cf. Gl 4,5-7) e participantes da natureza divina (cf. 2Pd 1,4); membros do Corpo de Cristo (cf. 1Cor 6,15; 12,27), co-herdeiros com Ele da salvação (cf. Rm 8,17), e templos do Espírito Santo (cf. 1Cor 6,19) (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1265).

17. A 2ª leitura nos ajuda a perceber que Jesus, mais que revelar a SSma. Trindade, Ele nos faz penetrar no Seu mistério. O Espírito Santo nos conduz (v. 14) e Se une a nós (v. 16) para que sejamos filhos de Deus (vv. 14.16-17). Noutra Carta, S. Paulo nos diz que o Espírito Santo clama em nossos peitos “Abbá, ó Pai” (cf. Gl 4,6). Hoje ouvimos que recebemos um espírito de filhos adotivos e, por isso, clamamos “Abbá” (v. 15). Assim, é no Pai que somos filhos adotivos de Deus e irmãos uns dos outros por obra do Espírito Santo. E tudo isso é possível porque somos herdeiros, e mais, co-herdeiros de Cristo. Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, que nos proporcionou a salvação, a herança. Com Ele, somos co-herdeiro da salvação, atualizada pelo Seu Espírito, o Espírito Santo, para que sejamos filhos adotivos de Deus, para que em nossos peitos o mesmo Espírito clame “Abbá, ó Pai”, para que, assim, vivamos um vida de irmãos. 

18.Vemos, assim, que a Trindade de Pessoas divinas, age, para que sejamos salvos, para que sejamos filhos de Deus e irmãos uns dos outros, a viver em comunhão nesta vida, na construção do Reino de Cristo, que terá nos Céus a sua consumação. Nós constituímos a “família de Deus” desde a vida presente, esperando o dia feliz do “banquete celeste”, quando seremos servidos pelo próprio Deus.

19. Bem sabemos, que os primeiros cristãos, como milhares de cristãos de todos os tempos, sofreram e sofrem perseguições. S. Paulo se refere às perseguições, ao dizer “...se realmente sofremos (com Cristo), é para sermos também glorificados com ele” (v. 17b). O Espírito de Cristo nos faz ser cristãos a toda prova: filhos do mesmo Pai e irmãos uns dos outros; irmanados e discípulos de Cristo e co-herdeiros com Ele na Sua salvação, e perseverantes na fé e no testemunho, apesar de toda provação.

20. Meus irmãos, com a Solenidade da SSma. Trindade contemplamos a Deus como Jesus Cristo nos revelou: Deus é Uno e é Trino. Contemplemos o Pai, de Quem somos filhos; contemplemos Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, o nosso Irmão maior, em Quem somos todos irmãos; contemplemos o Espírito Santo que, como ouvimos na 2ª leitura, nos conduz para que, de fato, vivamos como filhos de Deus. Nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Deus é comunhão e assim, fomos criados para viver em comunhão. Que a nossa contemplação da Trindade de Deus, que é comunhão, nos permita viver, também, em comunhão! 
Amém!

V. Louvado seja N. S. Jesus Cristo!