XXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM
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Na primeira leitura o profeta Isaias transmite uma mensagem de esperança para os israelitas que estão exilados na Babilônia. Eles se questionam diante da realidade dos massacres por conta dos soldados caldeus. Casas destruídas e lavouras em chamas. Isaias os conforta com uma palavra de esperança: “Coragem! Não temais! O vosso Deus vem para vos salvar!” (v.4), e afirma mudanças extraordinárias.
As palavras do profeta servem também para nós nos momentos de desânimo. Ao mesmo tempo Isaias nos cutuca para um exame de consciência a fim de recuperar nossa aproximação com os que mais sofrem. Como agimos e nos relacionamos com eles?
Tiago, na segunda leitura, mostra o preconceito e discriminação entre ricos e pobres. Para os ricos há sempre os melhores lugares, mas para os pobres mal sobram as longas filas para seus atendimentos. Podemos dizer isto hoje do nosso sistema de saúde, SUS ou o que quer que seja, sem contar o sistema educacional. Nossos políticos consideram isto tudo normal. Mas Tiago cutuca: “Suponde que entre em vossa reunião um homem com anel de ouro... e entre também um pobre com traje sujo ou gasto...” (vv.1-4). Mas Deus escolheu os pobres deste mundo para serem testemunhas do seu Reino.
Os pobres não eram apenas aqueles que não possuíam bens, mas também os doentes, os menos favorecidos, excluídos da sociedade, leprosos, as viúvas, e assim por diante. Os lugares das autoridades podem até desaparecer, mas infelizmente a marca do preconceito continua. Por isso somos convocados a apresentar e vivenciar sinais concretos de fraternidade e igualdade para que com dignidade possamos ouvir a Palavra de Deus e nos aproximar da Eucaristia e consequentemente dos nossos irmãos que clamam.
Já a narrativa do Evangelho deste domingo mostra uma prática de Jesus completamente diferente. Para curar um surdo e mudo não bastaria apenas uma palavra, como fez com outros? Jesus o afasta do grupo, leva-o para fora. É surpreendente este gesto, porém para a cultura da época era absolutamente normal, já que também os curandeiros assim faziam.
Devemos nos perguntar sobre a identidade do surdo-mudo. É alguém desligado... que não se comunica e não pode comunicar o que poderia ouvir. Não ouve a Palavra de Deus. Está encasulado no seu mundinho. Pior ainda: naquele tempo qualquer doença era considerada castigo de Deus. E ser surdo significava ainda mais. Era maldição.
Bem, então agora vamos falar da “surdez espiritual”. Trata-se de quem não aderiu a fé e nem celebra a salvação. O povo judeu, no tempo dos profetas, também se fez de mudo diante da proposta deles para acolherem o Reino de Deus que seria inaugurado por Jesus.
Por isso se torna surpreendente o gesto de Jesus na cura relatada na perícope de Marcos que hoje refletimos. Jesus inaugura um novo diálogo entre o humano e o divino, entre o céu e a terra. Ele descerra os ouvidos e o coração para que todos possam ouvi-lo, acolhe-lo e anunciá-lo fortificados pela fé.
Será que hoje não assumimos o papel do surdo-mudo quando tapamos os ouvidos para quem clama por justiça, solidariedade, fraternidade, amizade, familiaridade, compreensão e misericórdia? Nossas comunidades paroquias também se comportam como surdas quando não dão ouvidos aos seus fiéis mais necessitados. Pior ainda: somos mudos quando não anunciamos o Evangelho ou porque temos vergonha de manifestar nossa catolicidade.
A cura apresentada nesta narrativa vem nos mostrar a iniciativa de Jesus, como lição para nós, de um novo relacionamento humano de diálogo e compreensão. Surdo-mudo é todo aquele enjaulado em seus próprios conceitos e que não se relaciona com ninguém afirmando que não tem mais nada para aprender.
Vamos refletir a doença da surdez e mudez dentro de nossa família. Quantas vezes o marido fica calado para sua esposa ou a recíproca pode ser verdadeira? Quantas vezes os filhos não dão a mínima para os ensinamentos que seus pais transmitem? São casos que as vezes parecem não ter solução dentro de situações que parecem um beco sem saída.
O remédio para a cura da nossa surdez-mudez está na adesão à Palavra de Deus. Se fizermos isto também teremos o poder do milagre de abrir a boca os ouvidos e o coração de muitos que não escutam a Palavra de Deus.
Outro detalhe: o surdo-mudo é trazido até Jesus por algumas pessoas. Nas suas condições poderia vir sozinho. Diferente do cego de Betsaida. Mas com isso Marcos que nos mostrar e educar que os que já fizeram e vivenciaram a experiência com Jesus também conduzem os outros até ele. Quem você já levou para a missa para uma experiência com Jesus na escuta de sua Palavra e no contato com a Eucaristia?
Jesus toca os ouvidos dele para fazê-lo ouvir, depois usa a saliva na língua do mudo. A saliva, naquele tempo, era considerada como que um concentrado do hálito, também compreendido como materialização da respiração. Desta forma isto representa o sopro do Espirito de Jesus sobre ele. E o “Effata” (abre-te) é uma convocação para que ele seja anunciador dos valores e sinais do Reino.
No final vemos a multidão alegre pela recuperação deste surdo-mudo. Canta e aclama o que foi realizado. Isto nos convida a sempre se alegrar por alguém que retorna à comunidade, que voltou à Igreja, que agora também pode proclamar a glória de Deus manifestada na vida de cada irmão e irmã! Assim seja!
Dom Orani João Tempesta, OCis
Arcebispo metropolitano da Arquidiocese do Rio de Janeiro